Ao iniciarmos uma pesquisa no ano de 2013, com apoio da FAPEMIG, sobre hábitos alimentares de pessoas idosas vinculadas à Irmandade do Rosário de Uberlândia, não tínhamos a dimensão apropriada do alcance que tal estudo poderia proporcionar. Pensávamos que o mesmo ficaria focado nas memórias de jantar, no entanto, à medida que o trabalho ia avançando e o número de personagens aumentava, algumas falas terminavam por se completar em outras quando a discussão se concentrava na produção de alguns pratos, entre os quais nós destacamos a macarronada. Este prato tão típico e comum para quase todos os participantes da referida pesquisa, chamava a atenção quando nós observávamos um discurso comum em todas as falas: “o gosto da macarronada não é mais o mesmo”, “o gosto de antigamente era bem melhor do que o gosto de hoje”.
Faz sentido nesse contexto nos indagarmos se realmente o que se propõe nos dias de hoje como algo saudável e bom para saúde pode ser, de fato, o que todos almejam e assumem enquanto tal. Se ao dialogarmos com pessoas que poderíamos considerar simples do ponto de vista científico, acadêmico, conseguem ar com muita profundidade as motivações que levaram às alterações dos “gostos das coisas”, como das macarronadas a partir de um emaranhado de situações que envolvem desde a chuva, o capim, o leite, os insumos e a produção do queijo.
Evidente que os tempos de fazenda no ado tanto quanto os momentos atuais de urbanidade, quando nós falamos de hábitos alimentares, são tempos muito diferentes, no entanto seria um equívoco desconsiderar que as pessoas não se movimentam de forma unânime, cegamente submissas, enfim, a uma lógica de mercado alimentar consumidor que pelo justo fato de que consumir os produtos alimentícios de hoje é melhor do que aqueles que nossas bisavós, nossas avós e nossos pais sexagenários tinham como base alimentar, ou não, em seus cotidianos.
No caso da macarronada, a tradição de fazê-la não é mais a mesma devido ao surgimento ou acrescimento de outros produtos como a carne moída e para além disso, a problemática do queijo não ser tão curado, não trazer as essências do ado, a presença da manteiga, da gordura, daquilo que ava sabor à macarronada, dando ao prato um sabor diferenciado em decorrência de um queijo bom, propiciado pela produção de um tipo de leite quase artesanal. O quase artesanal sabor do queijo curado está fixado na memória das pessoas como rememorações de um modo de fazer macarronada cujo gosto não se consegue mais atingir o paladar dos entrevistados.
Se por um lado, a mudança do gosto da macarronada está associada às transformações ocorridas no campo, refletidas nas diferenças atuais de produção do queijo, este menos saboroso, por questões climáticas – secas prolongadas, pastagens ruins – e, sobretudo devido ao uso do capim braquiária em substituição ao capim gordura e jaraguá – estes dois últimos faziam com que as vacas produzissem um leite de melhor qualidade – de outro, podemos pensar até que ponto o aumento de produção em escala acelerada para suprir o mercado consumidor, modificou também o processo de produção do macarrão.
São surpreendentes as conexões negativas ou positivas que identificamos nas diversas falas dos entrevistados a partir de seus es de memórias e experiências práticas de vida. Notamos, por exemplo, que o óleo (de soja) a pelos acréscimos de sódio para limpar as impurezas provenientes dos produtos químicos, adubos, herbicidas que contaminam o solo, agrotóxicos comumente utilizados durante o plantio, o crescimento, colheita e armazenamento dos grãos.
Na realidade esse sódio se transforma em outro tipo de veneno que termina por comprometer a saúde das pessoas. Uma de nossas entrevistadas diz das implicações do uso de determinados óleos em frituras: “- ouvi contar que num restaurante (…) na hora da limpeza dos restos das frituras (…) aparecia aquela gosma assim tipo plástico né, do resto dos óleos das frituras, agora imagine essa gosma, essa coisa né, que estrago num faz no estômago da gente né!”. (Entrevista realizada em junho de 2013).
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