É frequente o surgimento de Lobos Guará na região do Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro. Naturalmente que isso tem a ver com a destruição de seus habitats, a despreocupação com o cerrado como fonte de sobrevivência desses animais. Sem alimentação, buscam na cidade, desesperadamente, uma forma de continuarem vivos e, assustados, encurralados, estão em permanente extinção.
Nosso texto tem a ver com essas questões há muito tempo, razão pela qual reproduzimos o conto de um livro nosso, que foi publicado em 2016, sobre a luta de Lobo Guará. Este conto pode ser aproveitado como educação patrimonial do cerrado nas escolas municipais e estaduais. Uma aventura que envolve meio ambiente, desmatamento e morte, uma morte que nada mais é do que a figura do ser humano em sua capacidade de destruição da fauna e transformação do cerrado sem se importar com os originários do lugar.
Cansados! Cansados! Chegaram por fim ao asfalto. Vinham de longe! Bem longe! Das florestas que os tratores derrubaram, dos cerrados que as queimadas invadiram, das montanhas que as dinamites explodiram, das margens dos rios que as mineradoras destruíram.
Só chegaram perto do asfalto, o Macaco Espertinho, o Bicho Preguiça, a Capivara, o Tatu Galinha e o Lobo Guarazinho. O Macaco Espertinho foi o primeiro que viu –
Olha lá! Olha lá! A Morte do outro lado! Do outro lado do asfalto! Olha lá! Olha lá!
Tatu Galinha vendo aquela correria, pensou bem no seu destino e falou aos companheiros: – Euuuuuuuuu! Prefiro ar minha vida cavando um buraco debaixo do asfalto. A Capivara querendo tirar uma de esperta ou um lado do asfalto e esqueceu-se de olhar do outro e morreu atropelada.
E a Morte ria que ria, do outro lado do asfalto. Bicho Preguiça marcou bobeira, adormeceu no acostamento e nem viu de que morreu! E a Morte ria que ria do outro lado do asfalto. O Macaco Espertinho, todo, todo esfomeado, viu de longe! Bem de longe! Um caminhão de bananas e não pensou nem um segundo. Vapt e vupt! Morreu sem comer as bananas. E a Morte ria que ria do outro lado do asfalto.
Foi assim que o Guarazinho descobriu a lei do asfalto e correu o resto do dia. Guarazinho tanto aprendeu no asfalto, que quando chegou a tarde, já estava do outro lado. A Morte ficou raivosa e com uma vontade danada de alcançar o Guarazinho.
A Morte disfarçou-se então de vento e tentou de todo jeito derrubar o Guarazinho. Mas como estava treinado de correr no asfalto, Guarazinho disse que era bem mais veloz que o vento. Guarazinho correu muito! Correu tanto! Que a Morte desajeitada, já cega de tanta raiva, bateu nos troncos das árvores e desabou qual melancia, esparramando-se no chão.
O coração de Guarazinho batia angustiado, sequer tinha refeito do susto da Morte vestida de vento. Mas a Morte desesperada, toda esfolada do tombo, fingiu ser um caçador só para matar Guarazinho da mesma forma que um dia havia matado seus pais.
Guarazinho todo convencido ainda zombou da morte: – Sou mais veloz que os carros! – Sou mais veloz que os ventos! – Sou mais veloz que as balas. Pammm! Toda a plantação de soja ouviu o eco da Morte! Gaviões, perdizes e toda arinhada ora corriam, ora voavam para qualquer lado. Chiiiiiiiiiiiiiii. E a bala alucinada procurava o seu destino que era o corpo franzino do filhote Guarazinho.
Guarazinho só correndo… só correndo, parecia até voar. E a bala quase que chegando, tão perto que já estava na sombra de Guarazinho. Foi então que Guarazinho sentiu o que ainda restava do pouco ar do cerrado e percebeu nesse momento que a sua salvação natural só tinha assim. De repente escureceu! E a bala que não queria perder a sombra de Guarazinho já não via a sombra de mais ninguém e assim ou a noite toda querendo encontrar Guarazinho.
Guarazinho se viu só na solidão da noite! E chorou… Uivouuuuu… Chorou…Trovoadas silenciavam tudo em volta! Guarazinho parecia que rezava!: – Chuva forte, Chuva mansa, que de dia e de noite não descansa! Me ajuda oh Chuva fina, que eu sou um Guarazinho, pequenino igual criança! Como faço pra fugir dessa Morte que me cansa?
O Trovão preocupado mandou a Chuva perguntar qual motivo que fazia Guarazinho tanto chorar: – é que a Morte quer me pegar! Guarazinho respondeu. A Chuva que há muito tempo não se entendia com a Morte, chegou perto de Guarazinho e contou-lhe um segredo guardado pelo Raio e o Trovão. Guarazinho uivouuuuu de alegria! Quero ver se a morte me pega! Quero ver se a morte me pega! E uivouuuuu que mais uivouuuuu!
Há! Há! Há! Há! Há! Há! A Morte reapareceu! E Guarazinho sumiu entre os pinheiros, surgiu no meio dos eucaliptos e a morte só há! Há! Há! Há! E chega e não pega e pega e escorrega. Agarra-se, se arrasta, se enrola. E a Morte rindo que rindo. Só há! Há! Há! Há! No que ainda existia de cerrado ameaçado pelos canaviais, parecia que Guarazinho não corria, mas voava! Pois que de correr voou-se tanto que ao chegar perto da represa, foi parar na outra margem.
E a Morte entrou na água, nadava que mais nadava, descia, subia, descia, mas quando chegou ao meio, a Morte morreu afogada. Era o segredo que a Chuva havia contado para o Guarazinho, filhote de Lobo Guará: “A MORTE NÃO SABIA NADAR!”
In: Moinhos da Memória. Jeremias Brasileiro. Editora Subsolo, 2016.